quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A flor, o monge e a borboleta




Não creio que "eu" possa ser encarado como tese e o "outro" como antítese, pois eles não se opõe e sim sofrem o fenômeno da superposição. Hegel escreveu que botão desaparece quando a flor nasce poderíamos dizer que o segundo é refutado pelo primeiro; e da mesma forma quando surge o fruto, a flor poderia ser considerada uma forma falsa na existência da planta. Mas essa seqüência não se coloca para o eu e o outro. Eles existem sincronicamente enquanto que a contradição realizou-se dicaronicamente. O eu não se transforma em outro e sim sofre a influência deste, influência que é recíproca.

Sobre a questão do outro pode ser apresentada uma história no espírito zen.
Um monge em sua caminhada para casa chega na margem de um rio largo. Queda-se sem esperança e olha o grande obstáculo em sua frente, e assim fica muitas horas meditando sobe o modo de cruzar uma barreira tão grande.
Quando ele ia desistir da caminhada ele vê um grande professor no outro lado do rio. Ele grita para o professor: "Oh Mestre, pode me contar como chegar ao outro lado do rio?"
O professor reflete por um momento, examina o rio com os olhos e grita de volta: "Você já está no outro lado"
Assim o eu pensa que deve se deslocar para encontrar o outro. No entanto a confusão entre o eu e outro pode ser tão profunda que quando o eu for procurar o outro será inútil, pois o outro já está no lugar do eu. Não há a menor possibilidade de um movimento que criasse uma contradição.

Segundo Lao Tzu: "O que a lagarta denomina fim, o resto do mundo denomina borboleta". Outra vez o esquema semelhante ao do botão, da flor e do fruto. O eu e o outro tem a mesma preocupação com o fim e para eles a borboleta está no domínio da metafísica. Assim eles podem compartilhar uma crença ou descrença e nisso mais uma vez adiar a definição dos limites entre esses dois sujeitos. A flor, o monge e a borboleta indicam a possibilidade da alteridade transformar-se em identidade e a impossibilidade de uma superação dialética da questão do eu e do outro.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O mundo do conhecimento e o conhecimento do mundo




Uma questão fundamental é saber se já carregávamos em nós o conhecimento ou se o conhecimento vem das nossas sensações, do nosso contato com o mundo. Se o conhecimento está em nós temos meio caminho andado para a autonomia de nosso eu. Contudo o nosso eu interior responde apenas por uma parte do conhecimento, são as estruturas que herdamos. Para conhecer temos que sentir, ter contato com o mundo exterior. E no mundo exterior está o outro. E esse outro nos contamina porque antes do contato tínhamos certeza do que sabíamos, como sabemos a hora quando temos um relógio e quando temos dois já não mais sabemos. Não temos mais certeza de quão real e exata é a nossa visão de mundo e nem onde acaba a fronteira da visão do outro e começa a nossa. E essa diluição de fronteiras afeta o conhecimento de nós mesmos e expõe a fragilidade dos seres pensantes que somos, esses "eus" e "outros" imersos na alteridade.

A alegoria da caverna de Platão coloca nossa experiência da realidade como seres acorrentados que enxergam sombras. Por outro lado existe um conhecimento ideal que só obtém quem sai da caverna e retorna. No entanto quem acreditou desdenha desse conhecimento. O conhecimento ideal é o conhecimento do eu, um conhecimento sem as manchas da presença do outro. Nós enxergamos sombras e as discutimos com o outro, um jogo em que mais uma vez incorporamos a visão imperfeita do outro no lugar de uma visão ideal. Nossa realidade são essas sombras e nela estamos imersos com o outro e a ele inevitavelmente vinculado.

A discussão de alteridade em confronto com a identidade pode ser vista num cenário histórico. Para Vico a história do homem é cíclica e abrange três idades: dos deuses, dos heróis e dos homens. Na idade dos deuses os homens crêem estar sob governo divino, crendo assim em deuses e oráculos e nasce a religião. Na idade dos heróis são criadas as repúblicas aristocráticas e surge uma linguagem de caráter mítico e poético. Na idade dos homens surge a razão e o domínio da linguagem e essa é a idade onde estamos. O eu e o outro não são relevantes na idade dos deuses e a invenção característica da idade dos heróis dissipa as tensões que há na fronteira entre esses dois sujeitos. No entanto a razão leva esses sujeitos a construírem interpretações da realidade. E a linguagem possibilita a veiculação dessa interpretação, sendo que o eu e outro não chegam a uma interpretação única, contaminam a sua interpretação um com a do outro e sonham com o retorno à idade dos deuses.