quarta-feira, 10 de junho de 2009

Spinoza, quem é você?

Os dois atributos de Deus para Spinoza são a extensão e o conhecimento. Eles são expressão da natureza imutável do criador e entre os infinitos atributos de Deus só conhecemos esses dois.
“Per attributum intelligo id, quod intellectus de substantia percipit, tanquam ejusdem essentiam constituens.” Por atributo eu entendo o que o intelecto percebe da substância como constituindo sua essência.
O modo do pensamento em Deus é infinito, o intelecto infinito e no caso da extensão, o repouso e o movimento. No modo finito é a mente para o pensamento e o corpo para a extensão
No entanto Deus não é você, nem sou eu. Estamos imersos nessa extensão e nesse conhecimento. Ou sem estarmos também não sabemos. Eu e você somos esmagados pela infinitude do intelecto divino e confundidos pelo repouso e movimento.
Nossos corpos e mentes se confundem na ausência de uma essência, imersos que estamos no excesso de substância. Só resta a nós perguntar: se eu sou eu e você é você, Spinoza, quem é você?

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A flor, o monge e a borboleta




Não creio que "eu" possa ser encarado como tese e o "outro" como antítese, pois eles não se opõe e sim sofrem o fenômeno da superposição. Hegel escreveu que botão desaparece quando a flor nasce poderíamos dizer que o segundo é refutado pelo primeiro; e da mesma forma quando surge o fruto, a flor poderia ser considerada uma forma falsa na existência da planta. Mas essa seqüência não se coloca para o eu e o outro. Eles existem sincronicamente enquanto que a contradição realizou-se dicaronicamente. O eu não se transforma em outro e sim sofre a influência deste, influência que é recíproca.

Sobre a questão do outro pode ser apresentada uma história no espírito zen.
Um monge em sua caminhada para casa chega na margem de um rio largo. Queda-se sem esperança e olha o grande obstáculo em sua frente, e assim fica muitas horas meditando sobe o modo de cruzar uma barreira tão grande.
Quando ele ia desistir da caminhada ele vê um grande professor no outro lado do rio. Ele grita para o professor: "Oh Mestre, pode me contar como chegar ao outro lado do rio?"
O professor reflete por um momento, examina o rio com os olhos e grita de volta: "Você já está no outro lado"
Assim o eu pensa que deve se deslocar para encontrar o outro. No entanto a confusão entre o eu e outro pode ser tão profunda que quando o eu for procurar o outro será inútil, pois o outro já está no lugar do eu. Não há a menor possibilidade de um movimento que criasse uma contradição.

Segundo Lao Tzu: "O que a lagarta denomina fim, o resto do mundo denomina borboleta". Outra vez o esquema semelhante ao do botão, da flor e do fruto. O eu e o outro tem a mesma preocupação com o fim e para eles a borboleta está no domínio da metafísica. Assim eles podem compartilhar uma crença ou descrença e nisso mais uma vez adiar a definição dos limites entre esses dois sujeitos. A flor, o monge e a borboleta indicam a possibilidade da alteridade transformar-se em identidade e a impossibilidade de uma superação dialética da questão do eu e do outro.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O mundo do conhecimento e o conhecimento do mundo




Uma questão fundamental é saber se já carregávamos em nós o conhecimento ou se o conhecimento vem das nossas sensações, do nosso contato com o mundo. Se o conhecimento está em nós temos meio caminho andado para a autonomia de nosso eu. Contudo o nosso eu interior responde apenas por uma parte do conhecimento, são as estruturas que herdamos. Para conhecer temos que sentir, ter contato com o mundo exterior. E no mundo exterior está o outro. E esse outro nos contamina porque antes do contato tínhamos certeza do que sabíamos, como sabemos a hora quando temos um relógio e quando temos dois já não mais sabemos. Não temos mais certeza de quão real e exata é a nossa visão de mundo e nem onde acaba a fronteira da visão do outro e começa a nossa. E essa diluição de fronteiras afeta o conhecimento de nós mesmos e expõe a fragilidade dos seres pensantes que somos, esses "eus" e "outros" imersos na alteridade.

A alegoria da caverna de Platão coloca nossa experiência da realidade como seres acorrentados que enxergam sombras. Por outro lado existe um conhecimento ideal que só obtém quem sai da caverna e retorna. No entanto quem acreditou desdenha desse conhecimento. O conhecimento ideal é o conhecimento do eu, um conhecimento sem as manchas da presença do outro. Nós enxergamos sombras e as discutimos com o outro, um jogo em que mais uma vez incorporamos a visão imperfeita do outro no lugar de uma visão ideal. Nossa realidade são essas sombras e nela estamos imersos com o outro e a ele inevitavelmente vinculado.

A discussão de alteridade em confronto com a identidade pode ser vista num cenário histórico. Para Vico a história do homem é cíclica e abrange três idades: dos deuses, dos heróis e dos homens. Na idade dos deuses os homens crêem estar sob governo divino, crendo assim em deuses e oráculos e nasce a religião. Na idade dos heróis são criadas as repúblicas aristocráticas e surge uma linguagem de caráter mítico e poético. Na idade dos homens surge a razão e o domínio da linguagem e essa é a idade onde estamos. O eu e o outro não são relevantes na idade dos deuses e a invenção característica da idade dos heróis dissipa as tensões que há na fronteira entre esses dois sujeitos. No entanto a razão leva esses sujeitos a construírem interpretações da realidade. E a linguagem possibilita a veiculação dessa interpretação, sendo que o eu e outro não chegam a uma interpretação única, contaminam a sua interpretação um com a do outro e sonham com o retorno à idade dos deuses.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O início da confusão




Muitas vezes nos confundimos com nossos parceiros, com nossos amigos. Não sabemos até que ponto nós pensamos com nossas cabeças ou com a dos outros. Ficamos confusos quando concordamos quando era o outro que queria. Nunca somos nós mesmos e sim temos em nós uma parte do outro. Isso porque nos esquecemos de por em prática a frase fundamental de todo relacionamento e de toda existência: “eu sou eu, você é você”.

Numa análise profunda devemos ir até Heidegger. Ele fala do “Dasein” o ser que está. Somos e estamos e isso é inegável. Mas não temos resposta para a pergunta fundamental do ser: o que é ser, o que é essa pergunta? Nessa paralisia devemos recorrer ao outro. Não que o outro nos ilumine, ele está tão confuso como nós. Mas o outro nos alimenta com essa dúvida e nós compartilhamos, vendo esse estado de perplexidade com o olhar alheio por que o nosso olhar está nublado. Ao mesmo tempo o outro enxerga com o nosso olhar. Buscamos apoio, iludimos o outro e outro nos ilude.

Sobre o que não pode ser dito deve guardar-se silêncio, já disse Wittgenstein. No lugar de ficarmos em silêncio, o nosso silêncio, o nosso eu, sem contaminação pelo silêncio do outro, nós dizemos. E é um dizer vacilante, oco, que não se sustenta. E na falta de sustentação escutamos alheio e é como ele fosse nosso. O outro carrega a insuportável leveza do dizer indizível e procura suporte no nosso dizer. O que não devia ser dito transforma-se em ruído num eu que escolhe o outro como alicerce, o mesmo outro que escolhe esse eu para a mesma finalidade.

Pascal sentia a angústia dos espaços infinitos. Essa angústia é muito pesada, a religião pode ser um alívio. Mas não conseguimos ficar a sós com ela e temos que transmiti-la a outrem que sente a mesma angústia. Contudo essa angústia é outra e esse caráter alheio nos fascina e absorvemos para consolar-nos da nossa própria. E o mecanismo se repete indefinidamente num número finito de outros. Mas o jogo de espelhos das angústias repartidas torna-se um infinito em potencial. O eu e o outro dissolvem-se criando-se um ritual de passagem para um eu coletivo onde não há a possibilidade do outro.